Um Desolador Vestiário Com Salários Atrasados - 14/09/2018

A primeira vez em que tive contato com um grupo de jogadores com salários atrasados me impressionou profundamente. Foi no dia 24 de outubro de 1982, em um dos vestiários do Estádio de São Januário, depois do empate entre Fluminense e Bonsucesso por zero a zero, pelo segundo turno do Campeonato Carioca.

Aquele grupo meio abatido, meio revoltado, não tinha condições de ganhar nada. Era desolador o ambiente. Os salários estavam atrasados havia três meses e ninguém conseguia esconder a profunda insatisfação. No primeiro semestre, O Globo publicara uma capa devastadora, com fotos, os jogadores protestando contra a falta de dinheiro.

O time campeão carioca de 1980 havia sido desmontado; a estrela do time, o zagueiro Edinho, fora para a Udinese; Cláudio Adão, não me lembro para onde; Gilberto estava no América, formando um bom meio de campo com Pires e Moreno; Mário, no Bangu.

Restavam o excelente garoto Delei, promovido no ano do título; o batalhador Rubens Galaxe; o mediano zagueiro Tadeu; os atacantes Robertinho, Gilcimar e Zezé Gomes # não o ponta-esquerda Zezé, mas um xará que veio da base e hoje mora no interior de Minas Gerais. Robertinho tivera uma lesão no joelho em 80 e nunca mais fora o mesmo.

O time havia jogado contra o Bonsuça com Paulo Vitor; Wallace, Maurão, Heraldo e Tadeu; Jandir, Rubens Galaxe e Zezé Gomes; Robertinho, Amauri e Gilcimar. Desde o campeonato de 80, que vencemos espetacularmente, não tínhamos lateral esquerdo, e nesse jogo específico Tadeu jogara improvisado. O melhor do time, Delei, estava machucado.

O menino Jandir, recém-chegado do Sul, parecia o mais abalado do grupo, meio enfurecido, meio abatido, sentado em um canto. O goleiro Paulo Vítor, também novo no Flu, tinha salvado o time de uma derrota, com atuação espetacular. O técnico era Paulinho de Almeida, especialista em retrancas, que substituíra o ex-ponta-esquerda Lula no meio do campeonato.

Lula, um jogador brilhante e veloz no Fluminense e no Inter, era um técnico medíocre e não conseguira ajeitar o time. O jeito foi chamar Paulinho de Almeida, lateral-direito do Vasco nos anos 50, um técnico linha dura e que armava bem as defesas. Depois do vexame no Brasileirão, falava-se em contratar o meia Luvanor, destaque do Goiás. Mas e o dinheiro?

Não era só o Fluminense. O Brasil sofria, mergulhado em uma brutal crise econômica e com uma ditadura agonizante. O então general-presidente, João Figueiredo, tivera um enfarte e o Brasil estava em moratória de sua brutal dívida externa, que nos levaria à hiperinflação e à chamada década perdida. Nosso presidente, Silvio Kelly dos Santos, andava empenhado em construir o CT de Xerém.

Depois do empate com o Bonsucesso, mesmo frustrado, tinha que fazer o meu trabalho como repórter de O Globo e buscar entrevistas no vestiário. Havia assistido ao jogo com o repórter do Jornal do Brasil, o ex-atleta olímpico e recordista pan-americano dos 400 metros rasos Ulisses Laurindo, que não gostava muito de futebol. Era especialista em atletismo.

Eu jamais escondi minha condição de tricolor, estava nervoso e irritado ao longo da partida, enquanto Ulisses Laurindo, bem mais velho, já com seus 54 anos, morria de tédio, e criticava o time: #Olha esse Tadeu. Parece desleixado, desinteressado do jogo.#

Ao ler o texto de Ulisses Laurindo no dia seguinte, notei que sua sintaxe era diferente da dos outros jornalistas que cobriam futebol. Uma frase me chamou a atenção: #É preciso ressaltar que Heraldo jogou bem...#.

A entrevista natural a ser feita era com Paulo Vítor, que começava a se destacar. Cumprimentado por jornalistas e dirigentes, não estava empolgado. Agradecia, mas o sorriso era amarelo. Difícil arrancar qualquer coisa dos jogadores abatidos, e o mais falante era Heraldo, destaque do América no ano anterior e que tinha sido contratado para o lugar de Edinho.

Revoltado, o zagueiro falava sobre o abandono do elenco pela diretoria, que havia jogadores com dificuldades e que o futuro não era nada promissor. De fato, ele logo iria embora do clube. Constrangido, Paulinho de Almeida dava explicações enroladas, típicas de técnico em má situação.

Ao chegar à redação, tinha direito a apenas 15 linhas e mais o espaço para as notas dos jogadores. Não dava para escrever sobre a impressionante a crise que vira.

O Vasco foi campeão em 1982 e nós ficamos em quinto lugar, o que era terrível para o Fluminense daquela época. Os quatro times à nossa frente eram muito melhores: Vasco, Botafogo, Flamengo e América. Até o Campo Grande, que chegara a liderar o campeonato, jogava mais e tinha os excelentes Lulinha e Pingo.

Luvanor, do Goiás, não foi contratado, afinal.

Mas veio gente muito melhor do que ele no ano seguinte: Duílio, do América, e Vica, da Ferroviária de Araraquara, para a defesa, além de Ricardo Gomes, que subiu da base com 18 anos e arrebentou; Branco, com 19 anos, para ocupar a lateral-esquerda vazia desde que Marco Antônio e Marinho partiram.

Jandir se firmou no meio, Tato chegou para se juntar a Paulinho, e vieram as cerejas do bolo: Assis e Washington, do Patético Paranaense (na época, um time pequeno), e Romerito no ano seguinte. Um time que reinou no futebol carioca e brasileiro durante mais de três anos com o presidente Manoel Schwartz.

A festa acabou quando um outro incompetente assumiu o clube e resolveu destruir o futebol. Mas a imagem do grupo de jogadores abatidos e revoltados com a falta de salários naquela tarde de 1982 me ficou na memória.

A minha crônica no Globo sobre o jogo, sem assinatura, e a de Ulisses Laurindo, do Jornal do Brasil, assinada, estão nas edições de segunda-feira, 25 de outubro de 1982.

Laurindo vive hoje no Amapá, está completando agora 90 anos, e trabalhou até pouco tempo como jornalista esportivo.

Quanto ao futuro do Fluminense...

Cezar Motta - cezar_motta@uol.com.br


 
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